(Foto de André Montejorge)Aquela falta de fé não ajudava em nada.
Neste momento precisava de algo.
Como se a fé se comprasse. E mesmo que se comprasse, onde arranjaria o dinheiro?
Olhou para si e viu um casaco cinzento, velho. Os punhos coçados do uso.
Tinha achado aquele casaco num caixote já há uns dois anos, pelo menos.
Seriam?
O tempo também já não era muito bem controlado. Não conseguia precisar há quanto tempo andaria por ali. A cidade era grande e os espaços por onde tinha passado já se perdiam nas memórias.
5 anos?
10 anos?
Não sabia dizer.
Tornou a olhar para si. Os sapatos estavam com uns buraquitos mas a camisola era quase nova. Teve sorte nesse dia. Uma menina disse-lhe que era do avô.
Nessa altura pensou que tinha que procurar um espelho um destes dias.
Fora a roupa e o papelão pouco mais tinha. Dinheiro nem pensar...
Espera lá! Onde está o saco com os meus livros?
Não o tinha perdido de certeza. Era o seu bem mais precioso.
Mas podiam ter-lho roubado...
Olhou outra vez em volta, mexeu num papelão(a sua cama, por sinal) e:
Ah!
Respirou fundo.
Está aqui.
Aquele saco tinha a sua vida.
Ultimamente já nada lhe interessava. Só aquele saco.
Pensou:
Este saco vai ser a minha fé!
A partir daquele momento começou a acreditar.
As histórias que aqueles livros guardavam iam transformar-lhe a vida.
Acreditou em cada uma delas e começou a vivê-las. Uma a uma e uma de cada vez.
E tornou-se noutro homem. Noutros homens.
O casaco ia mudando de cor, conforme o livro que lia.
Os sapatos ora sujos ora brilhantes davam-lhe diferentes caminhares. Passos cansados, arrastados ou passos largos e seguros.
Podia ser o que quisesse.
Houve uma vez que foi cantor de ópera.
Outra em que foi mulher.
Até foi presidente dos Estados Unidos.
Não gostou.
Fez uma pausa nas leituras e foi vagabundo por mais uns tempos.
Pelo menos era livre!
Nenhum comentário:
Postar um comentário